domingo, 24 de janeiro de 2010

O terceiro mandato que escorreu pelas mãos

Franklin D. Roosevelt permaneceu na Casa Branca de 1933 a 1945, tendo exercido quatro mandatos de presidente da república. O último não foi concluído, pois morreu no ano seguinte à reeleição. Só depois foi estabelecida a 22a. Emenda, que impede mais de dois mandatos para o governo dos Estados Unidos.
A sociedade norte-americana confiou em Roosevelt para enfrentar um período turbulento, marcado pela grande depressão econômica e pela entrada do país na Segunda Guerra Mundial. Épocas difíceis demandam líderes à altura.
Foi o que também ocorreu na França do pós-guerra, país destroçado pela ocupação alemã e politicamente fragilizado. Charles de Gaulle, que comandara a resistência durante o conflito bélico, chefiou o governo provisório até 1946 e, depois, em 1959, quando ainda havia sérios problemas a resolver, foi chamado a formar um novo governo.
A Assembléia Nacional garantiu amplos poderes ao presidente, que lhe possibilitaram negociar com a Frente de Libertação da Argélia e reconhecer a independência daquela colônia. O general permaneceu no governo até 1969, ano em que renunciou, já então debilitado politicamente diante dos novos desafios do movimento estudantil e operário.
Dois exemplos de longos governos em países civilizados, democráticos e modernos. Mas por que falar disso agora?
Simplesmente para ser inoportuno e lembrar da possibilidade de um terceiro mandato de Lula que, infelizmente, escorreu pelos nossos dedos. OK, temos Dilma como candidata, cerraremos fileira em torno do seu nome, mas o fato é que deixamos escapar a oportunidade histórica de aprofundar reformas profundas que só podem ser realizadas sob liderança inequívoca. E que exigiriam um novo congresso, previamente regulamentado por uma assembléia constituinte legitimamente eleita pelo voto popular.
A verdade é que fomos medrosos e sucumbimos à força do discurso neoliberal. Criou-se o fantasma de uma ditadura chavista caricatural, ameaçou-se com a ressureição dos velhos ditadores latino-americanos ou dos truculentos chefes africanos. Apelou-se a um modelo petrificado de democracia, ignorando-se as criações democráticas da Grécia à Revolução Francesa. E nem ousemos ir adiante na história em direção a outras alternativas democráticas hoje excomungadas.
Como se um plebiscito não fosse democrático. Como se um governo com mais de 80% de popularidade, reconhecido por ter iniciado a era da reforma nacional, não pudesse ser escolhido pela população para dar continuidade ao seu projeto apoiado na base da sociedade.
Pairou no ar a ameaça dos setores conservadores, incapazes de propor algo de novo. Não só da velha direita, como também da socialdemocracia, definitivamente apartada do social, e dos ressentidos herdeiros do comunismo, defensores da democracia como valor universal - mera retórica para a defesa da ordem democrática abstrata, liberal, elitista e corrupta que temos.
Dirão que não vivemos a conjuntura de uma crise econômica estrutural, que não estivemos em guerra e nem sofremos ocupação de tropas estrangeiras. O que dizer da guerra civil que enfrentamos cotidianamente, da guerra contra o tráfico e da condição miserável de boa parte da população que ainda não foi superada?
Dirão outros que não há, ou não havia, correlação favorável de forças, argumento do qual duvido. As contemporizações do governo diante das reações ao plano nacional de direitos humanos demonstram que as tradicionais estratégias de conciliação ainda persistem entre nós. E que entregar os anéis pode ser o primeiro passo em falso para entregar as próprias mãos. 

4 comentários:

  1. Concordo plenamente!
    Se a democracia é constituída a partir da vontade popular em avançar seus projetos de nação, a partir da justiça social e soberania, nada impede, senão a retórica conservadora, de encontrar nas demandas sociais do presente as formulações para isso.
    Sou Lula com o terceiro madato!!
    É preciso colocar tensão na correlação de forças para por fim a conciliação e estabelecer um projeto que seja popular a partir da ruptura com discurso liberal!

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  2. O grande problema é que a grande mídia brasileira (umas 10 famílias)insite no argumento de algumas verdades absolutas. Ou seja,para eles, democracia necessita alternância de poder, mesmo que essa alternância se encerra em si mesma e represente um retrocesso no duro caminhar que o país enfrentou nesses últimos anos.

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  3. Engraçado: criticamos FHC por extender seu mandato, mas Lula fazê-lo seria bom. Não, nem por plebiscito. Alternância no poder não é de partidos, mas de pessoas. Talvez 6 anos sem reeleição fosse melhor. mas fique como está. Lula volta em 14 e ganhamos a copa em casa.

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  4. Criticamos FHC porque representava um determinado projeto, não a reeleição em si! o problema não é o tempo, é o projeto!

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